quinta-feira, 5 de abril de 2012

Putrefação


Alguma coisa havia morrido cá em casa. Desconfiei de mim própria, numa semana de horrores, alienação total e sentimento de ausência, teria morrido e esperaria a chegada do postal com a certidão de óbito? O gato, lambeu-me com o seu hálito dos infernos, senti um desejo enorme que chegasse depressa o fim de semana (chuvoso ao que parece) para aqui ficar, com o portátil no colo, o gato aos pés, o plasma na parede e eu de janelas fechadas até cima sem pinga de luz, entrando do exterior. Estava bem viva afinal, numa espécie de casa de espíritos, sem barulhos, sem o som da minha própria respiração, apenas uma luz de um ecran e algumas teclas a bater descompassadamente. Santo Deus, cheira tão mal nesta casa. Não é habitual, quem me visita, elogia o cheiro, e hoje, julgariam um cadáver escondido debaixo do sofá, dentro do guarda fatos ou quem sabe por baixo do lava loiça. Acendi velas, muitas (ainda as sinto a arder, essência de morango, óleos essenciais) e o principal, arregaçar as mangas e lavar aquela loiça imunda. Depois um pouco de lixívia no ralo e a casa voltou ao normal. Só o meu espírito, ás vezes com vontade de fugir do próprio corpo, se move numa casa demasiado grande. O gato, dorme quando eu durmo, come quando eu como e acorda quando eu acordo. Talvez sejamos dois espíritos perdidos numa casa, onde acima de tudo reina a paz.